Este comentário à Ode Marítima de Álvaro de Campos foi escrito já há algum tempo e decidi pô-lo também aqui. Não que eu seja grande apreciadora dos poemas de Álvaro de Campos, porque nem sou, prefiro o mestre Caeiro; mas este poema é de facto um daqueles que caracteriza este heterónimo. Se ainda não leram, façam o favor, eu espero...
O comentário não é de todo exaustivo nem era esse o objectivo; mais do que um comentário é uma leitura do poema. Se frustrar as vossas expectativas, peço desde já as minhas sinceras desculpas. Continuem a ler e a visitar este blog porque algum dia até pode sair qualquer coisa de jeito.
“Sozinho, no cais deserto”, o sujeito poético viaja no tempo e no espaço. O Mar chama-o (e quem consegue resistir-lhe?) e leva-o para Longe, para o Indefinido, para aquilo que não está lá mas que ele vê através da Imaginação, perdendo-se no novelo de lã do seu passado, envolvido no “sonho das águas”.
Aos poucos o sujeito poético vai deixando o cais, “o volante começa a girar, lentamente” e a viagem começa. Deixa o mundo real, o que está perto.
A antítese entre o longe/perto e o passado/presente marca todo o poema. O conflito interior simboliza o paradoxo de amar a “civilização moderna”, de beijar “com a alma as máquinas”, de ser “o engenheiro”, “o civilizado”, “o educado no estrangeiro”, mas querer fugir de tudo isso, deixar aquele cais e partir para longe, num mar longínquo que não se conhece, “da época lenta e veleira das navegações perigosas, / da época de madeira e lona das viagens que duravam meses.” Por um lado “o medo ancestral de se afastar e partir” (as âncoras do passado), por outro “o misterioso receio ancestral à Chegada e ao Novo” (o presente).
Envolvido no “sonho das águas” quer voltar ao tempo dos piratas, dos saques, das mortes, das aventuras marítimas: “Quero ir convosco (…) / ao mesmo tempo com vós todos / para toda a parte pra onde fostes (…) Fugir convosco à civilização! Perder convosco a noção da moral! (…) Ir convosco, despir em mim (…) o meu traje de civilizado.” Como na Ode Triunfal, temos outra vez o sensacionismo, a fragmentação do “eu”, querer sentir “todas estas coisas duma só vez pela espinha”.
Depois do êxtase, encontramos um Álvaro de Campos cansado e angustiado que sabe que “não pode agir de acordo com o seu delírio” e volta à infância. “Infância feliz (…) que nunca mais tornei a ter (…) boneco que me partiram.” A saudade de um tempo em que foi, ou pensou que foi, feliz.
Já quase no fim do poema, o sujeito poético volta ao presente, ao mundo real, àquilo que está perto – “só o que está perto agora me lava a alma” – o volante abranda. A viagem a tempos passados está a chegar ao fim. Deparamos com um Álvaro de Campos moderno, actual, que diz que as máquinas também têm poesia, que diz que tem “o orgulho moderno de viver numa época onde é tão fácil / misturarem-se as raças, transporem-se os espaços”.
O volante pára, o navio perde-se no horizonte, e depois? Nada, “só eu e a minha tristeza / E a grande cidade agora cheia de sol / E a hora real e nua como um cais já sem navios.”
Podem comentar, criticar, sugerir... as vossas palavras serão sempre bem-vindas!!! Assim como a vossa visita, muito obrigada!!!
segunda-feira, 26 de maio de 2008
domingo, 18 de maio de 2008
"Artes Irmãs"
Quando lemos a descrição do escudo de Aquiles na Ilíada de Homero ficamos maravilhados pela plasticidade da linguagem que nos faz visualizar todas aquelas imagens como se tivessemos herdado aquele escudo e o tivessemos mesmo em frente aos nossos olhos. Sugere-nos até o movimento, o desenrolar de uma acção própria; sugere-nos até a metamorfose das letras em tintas. Este é o primeiro exemplo de ekphrasis que conhecemos.
Seguindo Homero, Virgílio e Ovídio, como pintores que pintam a sua tela, fazem com as suas palavras verdadeiros quadros: descrições de uma visualidade incrível, que se pintam aos olhos do leitor à medida que vai lendo as páginas da Ilíada, da Eneida ou das Metamorfoses.
Assim como os textos dialogam entre si, nas diferentes artes também podemos estabelecer relações: a Literatura e a Pintura são as "Artes Irmãs" de que falam os Estudos Comparativistas.
Esta quase transformação das palavras em tintas, do papel em tela, é sugerida pelo recurso à ekphrasis, que pode ser definida à partida como uma descrição poética de um objecto. Fernando Martinho diz que o sentido primitivo dado à ekphrasis "não se restringia à descrição de uma obra de arte, englobando antes a «descrição global de uma coisa, quase tudo, na vida e na arte»". Ekphrasis seria então na Antiguidade uma descrição poética (e por isso verbal) que remetia para algo que estava fora do texto, para além dele, "no sentido em que visa exprimir verbalmente algo que não é composto por palavras", neste caso algo de visual.
O Leitor ganha extrema importância neste contexto, pois as palavras escritas pelo poeta devem ter o poder de criar no receptor uma imagem mental, mesmo que este nunca tenha visto o objecto em causa, até porque muitos desses objectos fariam parte da ficção. Esclarece Mª Fernanda Conrado que "a essa capacidade de sugestão imagética, de criar uma imagem vívida na mente do leitor chamavam os gregos enargeia, e é um requisito particular da ekphrasis tradicional".
Não resisto a fazer aqui uma pequena citação do Livro I das Metamorfoses, cuja sensibilidade, lirismo e platicidade saltam á vista:
Seguindo Homero, Virgílio e Ovídio, como pintores que pintam a sua tela, fazem com as suas palavras verdadeiros quadros: descrições de uma visualidade incrível, que se pintam aos olhos do leitor à medida que vai lendo as páginas da Ilíada, da Eneida ou das Metamorfoses.
Assim como os textos dialogam entre si, nas diferentes artes também podemos estabelecer relações: a Literatura e a Pintura são as "Artes Irmãs" de que falam os Estudos Comparativistas.
Esta quase transformação das palavras em tintas, do papel em tela, é sugerida pelo recurso à ekphrasis, que pode ser definida à partida como uma descrição poética de um objecto. Fernando Martinho diz que o sentido primitivo dado à ekphrasis "não se restringia à descrição de uma obra de arte, englobando antes a «descrição global de uma coisa, quase tudo, na vida e na arte»". Ekphrasis seria então na Antiguidade uma descrição poética (e por isso verbal) que remetia para algo que estava fora do texto, para além dele, "no sentido em que visa exprimir verbalmente algo que não é composto por palavras", neste caso algo de visual.
O Leitor ganha extrema importância neste contexto, pois as palavras escritas pelo poeta devem ter o poder de criar no receptor uma imagem mental, mesmo que este nunca tenha visto o objecto em causa, até porque muitos desses objectos fariam parte da ficção. Esclarece Mª Fernanda Conrado que "a essa capacidade de sugestão imagética, de criar uma imagem vívida na mente do leitor chamavam os gregos enargeia, e é um requisito particular da ekphrasis tradicional".
Não resisto a fazer aqui uma pequena citação do Livro I das Metamorfoses, cuja sensibilidade, lirismo e platicidade saltam á vista:
"A própria terra, isenta de deveres, intocada pela enxada,
Ferida por nenhum arado, tudo dava espontaneamente. (...)
E o campo sem lavra empalidecia de carregadas espigas.
E então, corriam rios de leite, então, rios de néctar,
E loiro mel pingava do cimo da verdejante azinheira".
Afinal... vale a pena ler os clássicos!!!
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Fios que se continuam a entrelaçar
Em Literatura Comparada são fundamentais as questões das fontes e das influências. Desde sempre que os autores, ou os artistas, se "olham", se "tocam" e muitas vezes se "pintam", com maior realismo ou maior subjectividade. Como já vimos o texto, como a vida humana, é constituído por uma teia de complexidades, que vai rementendo para outros textos, para outros autores. Há uma metamorfose dos temas consoante o contexto presente e a persona que os re-cria. Como os mitos que nos acompanham desde a Antiguidade e que continuam vivos, porque adaptáveis ao presente. Em Metamorfoses, Ovídio diz que "a maior parte deles [dos mitos] vive connosco".
Esta teia de relações ininterrupta, lembra o próprio mito de Aracne, bela donzela da Lídia cuja arte de tecer tinha uma fama tão grande que até as ninfas vinham vê-la. Mas Aracne, orgulhosa, julgou-se maior que Minerva (corresponde a Atena, deusa ligada à guerra, à oliveira e também à tecelagem). Típico das relações entre deuses e mortais que se julgam maiores que eles, Minerva põe Aracne à prova e no fim castiga-a: metamorfoseada em aranha, Aracne é condenada a tecer a sua teia eternamente.
Teia que podemos relacionar mais uma vez com a tradição literária, pois é próprio do Homem ouvir e contar histórias, acrescentando cada um, à sua maneira, mais um ponto dessa tão grande manta de retalhos. Teia que relacionamos também com o sentido etimológico de texto, tecido.
Nas Metamorfoses, Ovídio utiliza um termo no prólogo "deducite" que vem do verbo deducere (conduzir). O tradutor, Paulo Farmhouse Alberto esclarece-nos:
"No termo, somam-se duas metáforas. Por um lado, o verbo remetia para o campo semântico da tecelagem e tinha o sentido de "fiar a lã"; a construção literária era, assim, um processo de puxar de uma massa de lã um fio, retorcendo-o, trabalhando-o com os dedos, por forma a transformá-la nos mais belos tecidos. Por outro lado, também poderia subentender-se nele uma imagem naútica: é o termo usado para fazer descer para a água o barco posto a seco, para dar início à navegação, ou seja, para iniciar a narração do poema, qual viagem sobre o mar".
Esta teia de relações ininterrupta, lembra o próprio mito de Aracne, bela donzela da Lídia cuja arte de tecer tinha uma fama tão grande que até as ninfas vinham vê-la. Mas Aracne, orgulhosa, julgou-se maior que Minerva (corresponde a Atena, deusa ligada à guerra, à oliveira e também à tecelagem). Típico das relações entre deuses e mortais que se julgam maiores que eles, Minerva põe Aracne à prova e no fim castiga-a: metamorfoseada em aranha, Aracne é condenada a tecer a sua teia eternamente.
Teia que podemos relacionar mais uma vez com a tradição literária, pois é próprio do Homem ouvir e contar histórias, acrescentando cada um, à sua maneira, mais um ponto dessa tão grande manta de retalhos. Teia que relacionamos também com o sentido etimológico de texto, tecido.
Nas Metamorfoses, Ovídio utiliza um termo no prólogo "deducite" que vem do verbo deducere (conduzir). O tradutor, Paulo Farmhouse Alberto esclarece-nos:
"No termo, somam-se duas metáforas. Por um lado, o verbo remetia para o campo semântico da tecelagem e tinha o sentido de "fiar a lã"; a construção literária era, assim, um processo de puxar de uma massa de lã um fio, retorcendo-o, trabalhando-o com os dedos, por forma a transformá-la nos mais belos tecidos. Por outro lado, também poderia subentender-se nele uma imagem naútica: é o termo usado para fazer descer para a água o barco posto a seco, para dar início à navegação, ou seja, para iniciar a narração do poema, qual viagem sobre o mar".
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domingo, 11 de maio de 2008
Revisitações _ parte 3
Ao fim de dois dias de verdadeiras “aulas” de reflexão sobre «como ser um bom professor de português?» ou «o que é uma boa aula de português?», senti-me tentada a escrever. Como se dizia existe sempre esta recursividade: ler, escrever, ler, escrever, …. Com grandes especialistas da língua e do seu ensino cada vez estou mais convencida da magia que é “dar” literatura, não no sentido de me “despachar” dos conteúdos ou das obras mas de os transmitir, de levar outros ao conhecimento e à interpretação, de levar à reflexão e ao espírito crítico e à “indisciplina” de que falava o professor Gustavo Rubim. Porque é preciso trabalhar com os textos, é preciso ver que eles são abertos e a nossa leitura não pode ser disciplinada para um único sentido do texto. Que o seu sentido nem está lá (como as bolachas dentro de uma caixa, metáfora da professora Silvina Lopes referida pela professora M.ª Graciete Silva) mas que se vai construindo pela leitura. O nosso cuidado com a língua, enquanto professores e/ou mediadores da leitura tem ir para além da palavra escrita, deixar o linear e ir ao alegórico. Não podemos é deixar-nos levar para os dois limites, “no meio é que está a virtude” como dizia Horácio.
Ao fim de dois dias de verdadeiras “aulas” de reflexão e partilha de saberes, conclui que aquilo que verdadeiramente quero é ensinar o português, a literatura portuguesa. E que as dificuldades do caminho para consegui-lo e para possivelmente continuar a ser professora não me devem impedir de ver a riqueza da minha língua materna, de sentir a magia da literatura portuguesa, de admirar a intraduzibilidade de um poema, de ter nas minhas mãos o poder de transmitir não só conhecimento mas sentimento.
Os especialistas da língua e da sua didáctica e os “oficiais do mesmo ofício” (como falava a professora Graciete) mostraram-me que é preciso manter acesa essa chama, essa vontade de levar a cabo uma tarefa complicada que é ser-se professor. E um dia, quando as dificuldades forem muitas, voltar atrás, revisitar de novo estas revisitações.
Ao fim de dois dias de verdadeiras “aulas” de reflexão e partilha de saberes, conclui que aquilo que verdadeiramente quero é ensinar o português, a literatura portuguesa. E que as dificuldades do caminho para consegui-lo e para possivelmente continuar a ser professora não me devem impedir de ver a riqueza da minha língua materna, de sentir a magia da literatura portuguesa, de admirar a intraduzibilidade de um poema, de ter nas minhas mãos o poder de transmitir não só conhecimento mas sentimento.
Os especialistas da língua e da sua didáctica e os “oficiais do mesmo ofício” (como falava a professora Graciete) mostraram-me que é preciso manter acesa essa chama, essa vontade de levar a cabo uma tarefa complicada que é ser-se professor. E um dia, quando as dificuldades forem muitas, voltar atrás, revisitar de novo estas revisitações.
Revisitações _ parte 2
Falou-se de tudo um pouco: a importância da leitura (nomeadamente o projecto “Plano Nacional de Leitura: Ler e Escrever mais e melhor”) e como lemos e compreendemos os textos (investigação exploratória); a questão do cânone literário e da importância que pode ter para nós, enquanto leitores, outras obras que nos marcaram e transformaram a nossa visão do mundo. A importância da imaginação e da criatividade nos contextos da leitura mas também da sala de aula; a importância de nos apropriarmos dos textos e produzir outros textos; afeiçoá-los àquilo que somos porque “Crescer é afeiçoar as coisas a nosso modo” (como disse a professora M.ª Graciete Silva). Foi retomada a eterna discussão entre linguistas e literatos. Falou-se de manuais escolares, comparando Portugal a outros países europeus; a importância num professor de profundidade de conhecimento, paixão, sentido crítico e sabedoria em distinguir entre o essencial e o acessório. Discutiu-se o conhecimento gramatical implícito que as crianças já trazem ao entrar para a escola (e daí a conclusão que é necessário um maior diálogo entre investigadores e professores que estão no terreno), a importância de criar mais actividades didácticas e pôr em prática os conhecimentos. Falou-se de Gil Vicente e de História da Língua; de Camões e de tradição literária; de Alexandre O’Neill e da possibilidade em conjugar língua e literatura. E é claro a importância do texto poético e da aprendizagem da língua materna, ambos tem qualquer coisa (uns diriam um não sei quê) de intraduzível.
Falou-se de tantas outras coisas, aconteceu tantas outras coisas, nem era meu objectivo tentar resumi-las (como fiz no parágrafo anterior) porque sinto que foi tal e qual como a experiência de ler um poema que fez sentido em mim, isto é, li-o e apercebi-me que era mesmo aquilo, dizê-lo por outras palavras? Não consigo! Como muito bem resumiu Carlos Ceia, “um poema que encontrou as palavras que nunca poderemos dizer”.
O desafio de criar “o nosso programa da disciplina” (pela professora Graça Videira Lopes) e o desafio do professor Rui Zink em ver as coisas ao contrário (do outro lado do espelho da Alice, como referiu outro participante nas Jornadas) e perceber que “somos mais imaginativos quando não o queremos ser”.
Falou-se de tantas outras coisas, aconteceu tantas outras coisas, nem era meu objectivo tentar resumi-las (como fiz no parágrafo anterior) porque sinto que foi tal e qual como a experiência de ler um poema que fez sentido em mim, isto é, li-o e apercebi-me que era mesmo aquilo, dizê-lo por outras palavras? Não consigo! Como muito bem resumiu Carlos Ceia, “um poema que encontrou as palavras que nunca poderemos dizer”.
O desafio de criar “o nosso programa da disciplina” (pela professora Graça Videira Lopes) e o desafio do professor Rui Zink em ver as coisas ao contrário (do outro lado do espelho da Alice, como referiu outro participante nas Jornadas) e perceber que “somos mais imaginativos quando não o queremos ser”.
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Revisitações _ parte 1
Optei por dar o título de Revisitações porque no fundo o que tenho em mente para este texto [são três partes de um só texto] é mesmo uma revisitação (ou várias) a dois dias muito significativos, cheios de partilha, que foram os dias consagrados às “Jornadas de Português – Dúvidas e Revisões”.
Antes de mais, foi uma grande honra para mim estar não só no meio de grandes especialistas da literatura e da língua (em vários sentidos) mas também no meio de professores, cuja profissão quero acarinhar no futuro. Acho que hoje em dia é dado menos valor ao professor, esquecemos contudo, que ele é (ou devia ser) em primeiro lugar um educador, um pedagogo, que conduz (cf. verbo grego ago) os alunos. E os educadores, como foi referido nestas Jornadas, não são apenas aqueles que transmitem (e muitos debitam) conhecimento (pois para isso temos os inúmeros manuais em livro ou CD-ROM ou DVD que se vendem por aí). Seria como uma receita de cozinha se o estudo da Literatura tivesse “receitas” (se calhar até tem algumas!): se a receita é a mesma porque é que nalguns casos sai mal, noutros bem? Porque, como dizia, um professor não transmite apenas o conhecimento mas também o sentimento. É muito mais fácil aprender um assunto de que gostamos muito e é muito mais fácil aprender de alguém que, para além de saber / de ter conhecimentos, adora aquilo que faz e aquilo que ensina. Como disse Emília Amor: “que a voz de quem diz se afeiçoe aos textos e que faça os outros também se afeiçoar”.
Por isso foi com grande prazer que ouvi todas aquelas apresentações e de estar ali no meio daquela “classe” a que um dia gostaria de pertencer.
Antes de mais, foi uma grande honra para mim estar não só no meio de grandes especialistas da literatura e da língua (em vários sentidos) mas também no meio de professores, cuja profissão quero acarinhar no futuro. Acho que hoje em dia é dado menos valor ao professor, esquecemos contudo, que ele é (ou devia ser) em primeiro lugar um educador, um pedagogo, que conduz (cf. verbo grego ago) os alunos. E os educadores, como foi referido nestas Jornadas, não são apenas aqueles que transmitem (e muitos debitam) conhecimento (pois para isso temos os inúmeros manuais em livro ou CD-ROM ou DVD que se vendem por aí). Seria como uma receita de cozinha se o estudo da Literatura tivesse “receitas” (se calhar até tem algumas!): se a receita é a mesma porque é que nalguns casos sai mal, noutros bem? Porque, como dizia, um professor não transmite apenas o conhecimento mas também o sentimento. É muito mais fácil aprender um assunto de que gostamos muito e é muito mais fácil aprender de alguém que, para além de saber / de ter conhecimentos, adora aquilo que faz e aquilo que ensina. Como disse Emília Amor: “que a voz de quem diz se afeiçoe aos textos e que faça os outros também se afeiçoar”.
Por isso foi com grande prazer que ouvi todas aquelas apresentações e de estar ali no meio daquela “classe” a que um dia gostaria de pertencer.
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quinta-feira, 8 de maio de 2008
Terra Sonâmbula
A obra de Mia Couto, Terra Sonâmbula, já está nos cinemas. Vale a pena ir ver.
"O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro." (fala de Tuahir)
Terra Sonâmbula, publicado pela primeira vez em 1992, é um romance que retrata pelos olhos de essencialmente três personagens - Tuahir (um velho), Muidinga (um miúdo) e Kindzu (um homem, o narrador) - um pouco da realidade de Moçambique nos "recentes tempos de guerra". Numa mistura de desespero e esperança, realidade e fantasia, as personagens deste romance se intercruzam, se influenciam.
Muidinga, "um miúdo" que não sabe nada do seu passado caminha ao longo de uma estrada na companhia de Tuahir, "um velho". À medida que vão vivendo as suas próximas experiências entram no mundo de Kindzu, autor/escritor de uns cadernos encontrados dentro de uma maleta fechada.
Kindzu conta a sua vida nessas páginas mas também relata, com maior ou menor objectividade, a história de outras personagens, com o cenário da guerra, com o barulho das metralhadoras ao fundo. São histórias dentro de histórias.
À medida que o livro avança, apercebemo-nos das coincidências entre os dois mundos que se cruzam enfim num misto de magia, mistério e esperança.
Para quem ainda não leu, aconselho vivamente.
quarta-feira, 7 de maio de 2008
Sozinho, o leitor olha o livro...
Sozinho, o leitor olha o livro: nele não estão apenas páginas e páginas pintadas de tinta (talvez seja esta a ideia para quem não sabe ler); para o leitor, mesmo não muito experiente, sabe que quando abrir o livro inicia uma viagem.
Antes de ler, o leitor imagina já como vai ser essa viagem: pelo título do livro, pelo nome do autor, pelo resumo da contracapa, indicação do género literário, características materiais de apresentação do texto, etc. Falamos de um "horizonte de expectativas": entendemos por este conceito todo um conjunto de expectativas que o leitor tem em relação ao texto que vai ler, com base em pequenas coisas, nomeadas anteriormente. Todos esses elementos condicionam o leitor para começar ou não a sua viagem com o livro. Quantas vezes não somos repelidos apenas por um título, e, pelo contrário, quantas vezes não somos chamados, incentivados por aquelas letras na capa de um livro, naquele livro fechado que ainda não se abriu.
O livro está lá, quieto, impassível como uma "mala, fechada, intacta". O leitor abre o livro e começa, as páginas assim abertas parecem chamá-lo, cheias de vida, há uma chama que se acende. Dentro daquela "mala" está um tesouro, que brilha, ilumina e cega. A leitura é o caminho para alcançá-lo.
O leitor enche-se de curiosidade, de vertigens. Começa uma viagem desconhecida. Vai com passo lento num primeiro momento, depois apressa-se. É preciso ir desbravando os caminhos nas palavras, descodificando as letras.
Um exemplo elucidativo deste começo é descrito em Terra Sonâmbula de Mia Couto: "Balbucia letra a letra, percorrendo o lento desenho de cada uma. Sorri com a satisfação de uma conquista. Vai-se habituando, ganhando despacho. (...) O miúdo lê em voz alta. Seus olhos se abrem mais que a voz que, lenta e cuidadosamente, vai decifrando as letras".
Esse caminho de que falava pode não ser, nem é, o mesmo para cada um de nós. E podemos nem chegar ao fim da viagem. Podemos mesmo não encontrar o tesouro último que o livro encerra. Será isso que importa? Mesmo que ao longo do caminho encontremos vários tesouros, mesmo que encontremos algo de que precisávamos na nossa viagem, mesmo que apenas a caminhada nos deleite e nos deixe maravilhados? Talvez o importante seja mesmo esse caminhar, em que ao mesmo tempo aprendemos e nos deleitamos com a paisagem.
Os temas da leitura e da viagem são daqueles que mais me fascinam, voltarei a eles sempre que puder. Até lá percorram muitos caminhos e estejam atentos...
Antes de ler, o leitor imagina já como vai ser essa viagem: pelo título do livro, pelo nome do autor, pelo resumo da contracapa, indicação do género literário, características materiais de apresentação do texto, etc. Falamos de um "horizonte de expectativas": entendemos por este conceito todo um conjunto de expectativas que o leitor tem em relação ao texto que vai ler, com base em pequenas coisas, nomeadas anteriormente. Todos esses elementos condicionam o leitor para começar ou não a sua viagem com o livro. Quantas vezes não somos repelidos apenas por um título, e, pelo contrário, quantas vezes não somos chamados, incentivados por aquelas letras na capa de um livro, naquele livro fechado que ainda não se abriu.
O livro está lá, quieto, impassível como uma "mala, fechada, intacta". O leitor abre o livro e começa, as páginas assim abertas parecem chamá-lo, cheias de vida, há uma chama que se acende. Dentro daquela "mala" está um tesouro, que brilha, ilumina e cega. A leitura é o caminho para alcançá-lo.
O leitor enche-se de curiosidade, de vertigens. Começa uma viagem desconhecida. Vai com passo lento num primeiro momento, depois apressa-se. É preciso ir desbravando os caminhos nas palavras, descodificando as letras.
Um exemplo elucidativo deste começo é descrito em Terra Sonâmbula de Mia Couto: "Balbucia letra a letra, percorrendo o lento desenho de cada uma. Sorri com a satisfação de uma conquista. Vai-se habituando, ganhando despacho. (...) O miúdo lê em voz alta. Seus olhos se abrem mais que a voz que, lenta e cuidadosamente, vai decifrando as letras".
Esse caminho de que falava pode não ser, nem é, o mesmo para cada um de nós. E podemos nem chegar ao fim da viagem. Podemos mesmo não encontrar o tesouro último que o livro encerra. Será isso que importa? Mesmo que ao longo do caminho encontremos vários tesouros, mesmo que encontremos algo de que precisávamos na nossa viagem, mesmo que apenas a caminhada nos deleite e nos deixe maravilhados? Talvez o importante seja mesmo esse caminhar, em que ao mesmo tempo aprendemos e nos deleitamos com a paisagem.
Os temas da leitura e da viagem são daqueles que mais me fascinam, voltarei a eles sempre que puder. Até lá percorram muitos caminhos e estejam atentos...
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domingo, 4 de maio de 2008
Especial Dia da Mãe
Hoje é dia da Mãe.
Mães não são só aquelas que nos trazem ao mundo, são pessoas que nos educam, nos acarinham, nos dão todo o amor do mundo, nos protegem, nos encoragam nos nossos sonhos. E ás vezes há pessoas que, não sendo nossas mães, são nossas avós, que são "segundas mães". E que mesmo não sendo, por vezes, nossas avós biológicas, amam-nos tanto ou ainda mais.
Hoje quero aqui deixar um poema que é da autoria da minha avó Rosa, mãe da minha mãe, que não sendo a melhor pessoa do mundo (e/ou mesmo a melhor poetisa), tem alguns poemas bonitos e profundos. Hoje publico um que é dedicado á Mãe.
Ó minha mãe,
Minha árvore,
Minha manta de retalhos.
Por muitos filhos que tenhas
Não há nenhum que te pague
O carinho dos teus galhos.
A minha homenagem a todas as "grandes" mães deste mundo.
Mães não são só aquelas que nos trazem ao mundo, são pessoas que nos educam, nos acarinham, nos dão todo o amor do mundo, nos protegem, nos encoragam nos nossos sonhos. E ás vezes há pessoas que, não sendo nossas mães, são nossas avós, que são "segundas mães". E que mesmo não sendo, por vezes, nossas avós biológicas, amam-nos tanto ou ainda mais.
Hoje quero aqui deixar um poema que é da autoria da minha avó Rosa, mãe da minha mãe, que não sendo a melhor pessoa do mundo (e/ou mesmo a melhor poetisa), tem alguns poemas bonitos e profundos. Hoje publico um que é dedicado á Mãe.
Ó minha mãe,
Minha árvore,
Minha manta de retalhos.
Por muitos filhos que tenhas
Não há nenhum que te pague
O carinho dos teus galhos.
A minha homenagem a todas as "grandes" mães deste mundo.
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