segunda-feira, 26 de maio de 2008

Comentário

Este comentário à Ode Marítima de Álvaro de Campos foi escrito já há algum tempo e decidi pô-lo também aqui. Não que eu seja grande apreciadora dos poemas de Álvaro de Campos, porque nem sou, prefiro o mestre Caeiro; mas este poema é de facto um daqueles que caracteriza este heterónimo. Se ainda não leram, façam o favor, eu espero...
O comentário não é de todo exaustivo nem era esse o objectivo; mais do que um comentário é uma leitura do poema. Se frustrar as vossas expectativas, peço desde já as minhas sinceras desculpas. Continuem a ler e a visitar este blog porque algum dia até pode sair qualquer coisa de jeito.

“Sozinho, no cais deserto”, o sujeito poético viaja no tempo e no espaço. O Mar chama-o (e quem consegue resistir-lhe?) e leva-o para Longe, para o Indefinido, para aquilo que não está lá mas que ele vê através da Imaginação, perdendo-se no novelo de lã do seu passado, envolvido no “sonho das águas”.
Aos poucos o sujeito poético vai deixando o cais, “o volante começa a girar, lentamente” e a viagem começa. Deixa o mundo real, o que está perto.
A antítese entre o longe/perto e o passado/presente marca todo o poema. O conflito interior simboliza o paradoxo de amar a “civilização moderna”, de beijar “com a alma as máquinas”, de ser “o engenheiro”, “o civilizado”, “o educado no estrangeiro”, mas querer fugir de tudo isso, deixar aquele cais e partir para longe, num mar longínquo que não se conhece, “da época lenta e veleira das navegações perigosas, / da época de madeira e lona das viagens que duravam meses.” Por um lado “o medo ancestral de se afastar e partir” (as âncoras do passado), por outro “o misterioso receio ancestral à Chegada e ao Novo” (o presente).
Envolvido no “sonho das águas” quer voltar ao tempo dos piratas, dos saques, das mortes, das aventuras marítimas: “Quero ir convosco (…) / ao mesmo tempo com vós todos / para toda a parte pra onde fostes (…) Fugir convosco à civilização! Perder convosco a noção da moral! (…) Ir convosco, despir em mim (…) o meu traje de civilizado.” Como na Ode Triunfal, temos outra vez o sensacionismo, a fragmentação do “eu”, querer sentir “todas estas coisas duma só vez pela espinha”.
Depois do êxtase, encontramos um Álvaro de Campos cansado e angustiado que sabe que “não pode agir de acordo com o seu delírio” e volta à infância. “Infância feliz (…) que nunca mais tornei a ter (…) boneco que me partiram.” A saudade de um tempo em que foi, ou pensou que foi, feliz.
Já quase no fim do poema, o sujeito poético volta ao presente, ao mundo real, àquilo que está perto – “só o que está perto agora me lava a alma” – o volante abranda. A viagem a tempos passados está a chegar ao fim. Deparamos com um Álvaro de Campos moderno, actual, que diz que as máquinas também têm poesia, que diz que tem “o orgulho moderno de viver numa época onde é tão fácil / misturarem-se as raças, transporem-se os espaços”.
O volante pára, o navio perde-se no horizonte, e depois? Nada, “só eu e a minha tristeza / E a grande cidade agora cheia de sol / E a hora real e nua como um cais já sem navios.”



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