quarta-feira, 7 de maio de 2008

Sozinho, o leitor olha o livro...


Sozinho, o leitor olha o livro: nele não estão apenas páginas e páginas pintadas de tinta (talvez seja esta a ideia para quem não sabe ler); para o leitor, mesmo não muito experiente, sabe que quando abrir o livro inicia uma viagem.
Antes de ler, o leitor imagina já como vai ser essa viagem: pelo título do livro, pelo nome do autor, pelo resumo da contracapa, indicação do género literário, características materiais de apresentação do texto, etc. Falamos de um "horizonte de expectativas": entendemos por este conceito todo um conjunto de expectativas que o leitor tem em relação ao texto que vai ler, com base em pequenas coisas, nomeadas anteriormente. Todos esses elementos condicionam o leitor para começar ou não a sua viagem com o livro. Quantas vezes não somos repelidos apenas por um título, e, pelo contrário, quantas vezes não somos chamados, incentivados por aquelas letras na capa de um livro, naquele livro fechado que ainda não se abriu.
O livro está lá, quieto, impassível como uma "mala, fechada, intacta". O leitor abre o livro e começa, as páginas assim abertas parecem chamá-lo, cheias de vida, há uma chama que se acende. Dentro daquela "mala" está um tesouro, que brilha, ilumina e cega. A leitura é o caminho para alcançá-lo.
O leitor enche-se de curiosidade, de vertigens. Começa uma viagem desconhecida. Vai com passo lento num primeiro momento, depois apressa-se. É preciso ir desbravando os caminhos nas palavras, descodificando as letras.
Um exemplo elucidativo deste começo é descrito em Terra Sonâmbula de Mia Couto: "Balbucia letra a letra, percorrendo o lento desenho de cada uma. Sorri com a satisfação de uma conquista. Vai-se habituando, ganhando despacho. (...) O miúdo lê em voz alta. Seus olhos se abrem mais que a voz que, lenta e cuidadosamente, vai decifrando as letras".

Esse caminho de que falava pode não ser, nem é, o mesmo para cada um de nós. E podemos nem chegar ao fim da viagem. Podemos mesmo não encontrar o tesouro último que o livro encerra. Será isso que importa? Mesmo que ao longo do caminho encontremos vários tesouros, mesmo que encontremos algo de que precisávamos na nossa viagem, mesmo que apenas a caminhada nos deleite e nos deixe maravilhados? Talvez o importante seja mesmo esse caminhar, em que ao mesmo tempo aprendemos e nos deleitamos com a paisagem.

Os temas da leitura e da viagem são daqueles que mais me fascinam, voltarei a eles sempre que puder. Até lá percorram muitos caminhos e estejam atentos...

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