domingo, 18 de maio de 2008

Fios que se continuam a entrelaçar

Em Literatura Comparada são fundamentais as questões das fontes e das influências. Desde sempre que os autores, ou os artistas, se "olham", se "tocam" e muitas vezes se "pintam", com maior realismo ou maior subjectividade. Como já vimos o texto, como a vida humana, é constituído por uma teia de complexidades, que vai rementendo para outros textos, para outros autores. Há uma metamorfose dos temas consoante o contexto presente e a persona que os re-cria. Como os mitos que nos acompanham desde a Antiguidade e que continuam vivos, porque adaptáveis ao presente. Em Metamorfoses, Ovídio diz que "a maior parte deles [dos mitos] vive connosco".
Esta teia de relações ininterrupta, lembra o próprio mito de Aracne, bela donzela da Lídia cuja arte de tecer tinha uma fama tão grande que até as ninfas vinham vê-la. Mas Aracne, orgulhosa, julgou-se maior que Minerva (corresponde a Atena, deusa ligada à guerra, à oliveira e também à tecelagem). Típico das relações entre deuses e mortais que se julgam maiores que eles, Minerva põe Aracne à prova e no fim castiga-a: metamorfoseada em aranha, Aracne é condenada a tecer a sua teia eternamente.
Teia que podemos relacionar mais uma vez com a tradição literária, pois é próprio do Homem ouvir e contar histórias, acrescentando cada um, à sua maneira, mais um ponto dessa tão grande manta de retalhos. Teia que relacionamos também com o sentido etimológico de texto, tecido.

Nas Metamorfoses, Ovídio utiliza um termo no prólogo "deducite" que vem do verbo deducere (conduzir). O tradutor, Paulo Farmhouse Alberto esclarece-nos:

"No termo, somam-se duas metáforas. Por um lado, o verbo remetia para o campo semântico da tecelagem e tinha o sentido de "fiar a lã"; a construção literária era, assim, um processo de puxar de uma massa de lã um fio, retorcendo-o, trabalhando-o com os dedos, por forma a transformá-la nos mais belos tecidos. Por outro lado, também poderia subentender-se nele uma imagem naútica: é o termo usado para fazer descer para a água o barco posto a seco, para dar início à navegação, ou seja, para iniciar a narração do poema, qual viagem sobre o mar".

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