Como sabemos, é próprio do ser humano ouvir e contar histórias… não só porque há uma necessidade de comunicar mas também porque essas histórias trazem consigo um universo mágico e maravilhoso. Todas as culturas têm lendas que explicam a sua origem, que dão um carácter mais misterioso à fundação de uma cidade ou de um povo. Há quem diga que Ulisses terá fundado Lisboa quando aqui aportou… e esse mito, “o nada que é tudo” como sintetiza Fernando Pessoa, dá-nos um orgulho nacional, uma união enquanto povo.
De facto desde os tempos primórdios que a palavra se impôs ao Homem como algo mágico, como um poder misterioso, que tanto poderia proteger, como ameaçar, construir ou destruir.
E é a esta oralidade, a esta tradição que o Romantismo regressou: pela Europa, Walter Scott, Shakespeare, os irmãos Grimm, M. Stael, Lamartine; em Portugal, Almeida Garrett e Alexandre Herculano. Como diz Garrett: “O tom e o espírito verdadeiro português esse é forçoso estudá-lo no grande livro nacional, que é o povo e as suas tradições e as suas virtudes e os seus vícios, e as suas crenças e os seus erros. E por tudo isso é que a poesia nacional há-de ressuscitar verdadeira e legítima” (Romanceiro).
E muitas dessas histórias, dessas lendas, devido às suas características mágicas e fantásticas foram a pouco e pouco sendo relegadas para um universo infantil. Não estou de modo nenhum a reduzir a Literatura Tradicional para os contos, pois há um universo imenso de provérbios, adágios, cantigas, rezas, lendas, fábulas, etc., etc.. Mas agora quero apenas falar dos contos… contos que talvez tenhamos ouvido na nossa infância, contos que ainda hoje talvez alguns de nós ainda mantêm vivos (contando)…
Pensamos muitas vezes que os contos apenas servem as crianças ou talvez também os jovens mas acho que é e será sempre bom voltarmos àquelas histórias cheias de cor e sentido, que nos mostram valores humanos, que nos fazem sonhar um mundo melhor e que nos mostram a magia das palavras… Podemos encontrar nesses contos questões do dia-a-dia de todos nós, temas que dizem respeito a toda a gente, inclusive naquelas que ao princípio nos parecem que não têm nada a dizer, são histórias da carochinha, pensamos com certa ironia, mas afinal podemos encontrar na própria história da Carochinha problemas ecológicos e o chamado efeito da borboleta (cf. Falas da Terra, Ana Paula Guimarães).
Como li há pouco tempo num livro: “Um livro para crianças que é também para adultos. / Um livro para adultos que é também para crianças.”
Este assunto, bem sei, dá pano para mangas, e o post já vai bastante longo. Contudo, não quero deixar de realçar que apesar de nos encontrarmos numa sociedade que caminha a um ritmo alucinante e dá muito valor à imagem, a PALAVRA e o seu dom de “delectare” (deleitar), “docere” (ensinar) e de “mouere” (mover (algo em nós) / fazer agir) continua presente. Há filmes (e séries de ficção científica) que voltam aos grandes mistérios da Antiguidade onde há códigos secretos, livros perdidos, palavras no vento… e há livros (O Senhor dos Anéis, Narnia, Os Reinos do Norte, Eragon e Eldest, Harry Potter, História Interminável, … ) que voltam a esse mundo maravilhoso, onde a PALAVRA ainda é algo mágico, ainda têm o poder misterioso de criar / construir, de proteger, mas também de ameaçar e destruir. É uma espada de dois gumes.
E esses livros (e filmes) se conquistam crianças e jovens em todo o mundo, também não deixam de encantar os mais adultos.
Nestes últimos textos misturam-se várias coisas como hão-de ter notado, começámos a falar na Odisseia e acabámos no Harry Potter… no meio deles ficou a tradição e a modernidade, a oralidade e a escrita e a imagem… Há de facto um fio condutor no meio deste texto que mais parece um labirinto… mas longe de mim querer que se percam… o fio condutor é precisamente o dom da palavra.
Também não quero deixar de pedir desculpa aos visitantes habituais deste blog pela falta de novidades durante algum tempo. Espero que estes posts compensem a vossa vinda aqui e espero também continuar a escrever nele regularmente. Obrigada pela vossa visita e leitura.
E como quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto, quero acabar estes dois posts com um apelo: “Conta-me uma história…”
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terça-feira, 24 de junho de 2008
O dom da palavra
Antes da escrita ter sido inventada, pelo menos da maneira que conhecemos, a oralidade tinha um papel preponderante. Toda a educação do novo indivíduo, toda a herança cultural e histórica de uma comunidade era feita através da oralidade. E a palavra tinha um dom, uma magia, quase inexplicável, quase misteriosa.
Sabemos que os diversos episódios da Íliada e da Odisseia terão sido cantados pelos aedos, acompanhados de música, enquanto se serviam os banquetes. A palavra cantada/recitada penetrava mais fundo no coração de quem a escutava: Ulisses chora ao ouvir cantar os acontecimentos de Tróia na ilha dos Feaces.
Da Europa do Norte também ouvimos histórias maravilhosas e fantásticas sobre druidas, fadas e elfos, etc. Os bardos imortalizavam as tradições e a cultura através de versos cantados.
Na nossa Hispânia também os trovadores e jograis cantavam na Idade Média as cantigas galego-portuguesas nas cortes (cantigas de amigo, de amor, de escárnio e de maldizer), enquanto o povo fazia os seus próprios cantares, o seu folclore.
Hoje um e-mail pode dar a volta ao mundo em pouco tempo. Antigamente, os cantos, as músicas, as histórias caminhavam pelos homens lentamente, mas não deixava de haver intercâmbio: os valores do passado, as lendas das origens e do princípio do universo, as lendas dos grandes heróis, os mitos dos deuses e semi-deuses, as histórias de amores impossíveis, …, eram transmitidos assim, oralmente. Tal e qual como a canção:
E assim, de boca em boca, também podia correr mundo...
Sabemos que os diversos episódios da Íliada e da Odisseia terão sido cantados pelos aedos, acompanhados de música, enquanto se serviam os banquetes. A palavra cantada/recitada penetrava mais fundo no coração de quem a escutava: Ulisses chora ao ouvir cantar os acontecimentos de Tróia na ilha dos Feaces.
Da Europa do Norte também ouvimos histórias maravilhosas e fantásticas sobre druidas, fadas e elfos, etc. Os bardos imortalizavam as tradições e a cultura através de versos cantados.
Na nossa Hispânia também os trovadores e jograis cantavam na Idade Média as cantigas galego-portuguesas nas cortes (cantigas de amigo, de amor, de escárnio e de maldizer), enquanto o povo fazia os seus próprios cantares, o seu folclore.
Hoje um e-mail pode dar a volta ao mundo em pouco tempo. Antigamente, os cantos, as músicas, as histórias caminhavam pelos homens lentamente, mas não deixava de haver intercâmbio: os valores do passado, as lendas das origens e do princípio do universo, as lendas dos grandes heróis, os mitos dos deuses e semi-deuses, as histórias de amores impossíveis, …, eram transmitidos assim, oralmente. Tal e qual como a canção:
Cantiga da rua,
Das outras diferente
Nem minha nem tua
É de toda a
gente
Cantiga da rua
que sobe e flutua
mas não se detém,
inscontante
e louca
vai de boca em boca
não é de ninguém.
Cantiga da
rua
Veloz Andorinha
Não pode ser tua
E não será minha…
Cantiga da
rua
Jamais se habitua
Aos lábios de alguém
Vive independente
É de
toda a gente
Não é de ninguém!
E assim, de boca em boca, também podia correr mundo...
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